quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Mario Alves, herói e mártir da luta pelo comunismo

(*) Frank Svensson

Tive o privilégio de conhecer o camarada Mario Alves ainda como um dirigente dedicado do PCB. Filiou-se ao mesmo ainda estudante, com 15 anos de idade, em 1939, participando das lutas estudantis contra o fascismo. Por toda a vida foi tido como um homem estudioso, inclusive do corpo teórico do marxismo-leninismo. Quis conhecer in-loco a aplicação do mesmo nas experiências da União Soviética, bem como, da China Popular. Perseguido em sua terra natal, a Bahia, veio militar no Rio de Janeiro e posteriormente em São Paulo onde dirigiu a revista Problemas. Em 1958, assumiu a direção do jornal Novos Rumos. Mário Alves dominava vários idiomas e durante o período de clandestinidade trabalhou como tradutor para garantir seu sustento.

Filiei-me ao PCB em Belo Horizonte, em 1959. Por coincidencia a primeira incumbência que me foi atribuida foi a de conduzir uma reunião onde iria falar um dirigente por nome Mario Alves. Foi no Sindicato dos bancários daquela cidade, por solicitação de Ivan Ribeiro (o filho) então dirigente da Juventude do PCB em BH. Lembro-me da presença de alguns dirigentes sindicais entre eles Sinval Bambirra. Mario Alves mostrou-se um orador brilhante, discreto mas muito seguro do que dizia. Terminada a reunião quiz saber quem eu era e o que fazia. Informei-lhe que eu era universitário e militava na base dos arquitetos e estudantes de arquitetura. Nunca me esqueci de um conselho seu: “Jovem, para ser um bom comunista é muito importante ser um bom profissional, fazer-se indispensável à sociedade pelo saber fazer”. Quantas vêzes a vida não tem me feito lembrar disso e reconhecer a profundidade de sabedoria aí contida! Esse posicionamento explica em muito a galeria de profissionais, cientistas e intelectuais que a história do PCB pode apresentar.

Quando do golpe militar em 1964, Mario Alves começou a se opor às posições predominantes no Comitê Central, formando a chamada Corrente Revolucionária. Em 1968, funda junto com Carlos Marighela, Appolonio de Carvalho e Jacob Gorender o PCBR. A proposta geral do mesmo consistia na constituição de um novo partido que reformulasse a linha tradicional do PCB a respeito da necessidade da aliança com a burguesia nacional, sem no entanto abraçar a bandeira da Revolução Socialista imediata.

No dia 16 de janeiro de 1970, aos 47 anos, Mário Alves desaparece. Foi preso pelo DOI-CODI e levado ao quartel da Polícia do Exército, na rua Barão de Mesquita, Tijuca, um dos centros de tortura da ditadura. Foi "espancado barbaramente de noite, empalado com um cassetete dentado, o corpo todo esfolado por escova de arame, por se recusar a prestar informações exigidas pelos torturadores do 1° Exército e do DOPS",

Em que pese divergências havidas, o PCB reconhece o camarada Mario Alves como herói e mártir da luta pelo comunismo e faz questão que seu exemplo e história de vida sejam conhecidos.

(*) Frank Svensson é membro da Comissão Política do Comitê Central do PCB.

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

A lição do Haiti

Por Fidel Castro Ruz

Há dois dias, por volta das 18 horas, hora de Cuba, já de noite no Haiti por sua localidade geográfica, as emissoras de televisão começaram a divulgar noticias de que um violento terremoto, com magnitude de 7,3 graus na escala Richter, havia arrasado severamente Porto Príncipe. O fenômeno sísmico se originou numa falha tectônica situada no mar, numa distância de apenas 15 quilômetros da capital haitiana, uma cidade onde 80% da população habita casas pouco resistentes, construídas de tijolos e barro.
As notícias continuaram ininterruptas durante horas. Não haviam imagens, mas afirmava que muitos edifícios públicos, hospitais, escolas e até construções mais sólidas encontravam-se debilitadas. Li que um terremoto da magnitude de 7,3 graus é equivalente à energia liberada por uma explosão igual a 400 mil toneladas de dinamite.

Descrições trágicas eram transmitidas. Os feridos nas ruas reclamavam aos gritos por auxílios médicos, rodeados de ruínas com famílias sepultadas. Ninguém, no entanto, pôde transmitir as imagens durante muitas horas.

A notícia surpreendeu a todos. Muitos escutavam com certa freqüência informações sobre furacões e grandes inundações no Haiti, porém ignorávamos que o país vizinho corria risco de um grande terremoto. Assim, veio à tona que, há 200 anos, um grande sismo abalou esta cidade, quando, certamente, possuía alguns milhares de habitantes.

À meia-noite não se mencionava uma cifra aproximada do número de vítimas. Altos chefes das Nações Unidas e vários Chefes de Governo falavam dos comoventes acontecimentos e anunciavam o envio de brigadas de socorro. Como existem inúmeras tropas da MINUSTAH lá, forças das Nações Unidas de diversos países, alguns ministros de defesa falaram das possíveis baixas de seu pessoal.

Foi justamente na manhã de ontem, quarta-feira, que começaram a chegar as tristes noticias sobre as imensas perdas humanas na população e, inclusive, instituições como as Nações Unidas mencionaram que algumas de suas edificações nesse país estavam colapsadas, uma palavra que não diz nada por si, mas pode significar muito.

Durante horas ininterruptas continuaram chegando notícias cada vez mais traumáticas da situação desse país irmão. As cifras mortais oscilam, segundo versões, entre 30 mil e 100 mil. As imagens são desoladoras. É evidente que o desastroso acontecimento vem recebendo ampla divulgação mundial e muitos governos, sinceramente comovidos, realizam esforços para cooperar dentro de suas possibilidades.

A tragédia comove um grande número de pessoas de boa fé, em especial as de caráter natural. Porém, talvez muitas poucas pessoas reflitam o porquê do Haiti ser um país tão pobre. Por que sua população depende quase em 50% das remessas familiares que recebem do exterior? Por que não analisar também as realidades que conduzem a situação atual do Haiti e seus enormes sofrimentos?

O mais curioso desta história é que ninguém pronuncia uma palavra que recorde o fato do Haiti ter sido o primeiro país em que 400 mil africanos escravizados e traficados pelos europeus se sublevaram contra 30 mil brancos, donos de plantações de cana de açúcar e café, levando a cabo a primeira grande revolução social em nosso hemisfério. Páginas de insuperável glória se escreveram ali. O mais eminente general de Napoleão foi lá derrotado. O Haiti é um produto nato do colonialismo e imperialismo, de mais de um século de emprego de seus recursos humanos nos trabalhos mais duros, das intervenções militares e da extração de suas riquezas.

Este esquecimento histórico não seria tão grave como o fato real de que o Haiti constitui uma vergonha de nossa época, em um mundo onde prevalecem a exploração e o saqueio da imensa maioria dos habitantes do planeta.

Milhares de milhões de pessoas na América Latina, África e Ásia sofrem de carências similares, ainda que talvez não todas numa proporção tão alta como o Haiti.

Situações como a desse país não deviam existir em nenhum lugar na Terra, onde abundam dezenas de milhares de cidades e povoados em condições similares e, às vezes, piores, em virtude de uma ordem econômica e política internacional injusta, imposta ao mundo. A população não está ameaçada unicamente por catástrofes naturais como a do Haiti. Essa é somente uma pálida sombra do que pode ocorrer no planeta com as mudanças climáticas, que foram objeto de burla, escárnio e engano em Copenhague.

É justo expressar a todos os países e instituições que perderam alguns cidadãos ou membros por conta da catástrofe natural do Haiti: não duvidamos de que, neste instante, seja realizado o maior esforço para salvar vidas humanas e aliviar a dor desse sofrido povo. Não podemos culpá-los do fenômeno natural que ocorreu no local, ainda que estejamos em desacordo com a política seguida pelo Haiti.

Não posso deixar de expressar a opinião de que é a hora de buscar soluções reais e verdadeiras para esse povo irmão.

No campo da saúde e outras áreas, Cuba, apesar de ser um país pobre e bloqueado, vem, há 20 anos, cooperando com o povo haitiano. Algo em torno de 400 médicos e especialistas da saúde cooperam gratuitamente com o povo haitiano. Em 227 das 337 comunas do país trabalham, todos os dias, nossos médicos. Por outro lado, não menos de 400 jovens haitianos se formaram médicos em nossa Pátria. Trabalharão agora com o reforço que viajou ontem para salvar vidas nesse momento crítico. Pode-se mobilizar, portanto, sem especial esforço, até mil médicos e especialistas da saúde, pois os mesmos já estão quase todos ali e dispostos a cooperar com qualquer outro Estado que deseje salvar vidas haitianas e reabilitar feridos.

Outro elevado número de jovens haitianos cursam medicina em Cuba.

Também cooperamos com o povo haitiano em outras esferas que estão ao nosso alcance. Não haverá, no entanto, nenhuma outra forma de cooperação digna de qualificar-se assim, que a de lutar no campo das idéias e da ação política para pôr fim à tragédia sem limite pela qual sofre um grande número de nações como o Haiti.

A chefa de nossa brigada médica informou: "a situação é difícil, porém começamos a salvar vidas". Essa breve mensagem foi enviada ontem, horas depois de sua chegada a Porto príncipe com reforços médicos adicionais.

Tarde da noite comunicou que os médicos cubanos e os haitianos graduados pela ELAM estavam se dividindo por todo o país. Já haviam atendido em Porto Príncipe mais de mil pacientes, pondo para funcionar com urgência um hospital que não havia sido afetado e utilizando tendas de campanha onde era necessário. Preparavam-se para instalar rapidamente outros centros de emergência.

Sentimos um imenso orgulho pela cooperação que, nesses momentos trágicos, os médicos cubanos e os jovens médicos haitianos formados em Cuba estão prestando aos seus irmãos do Haiti!

Fidel Castro Ruz
14 de Janeiro de 2010 - 20:25h.

Tradução: Maria Fernanda Magalhães Scelza.

Fonte: Cubadebate.

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Frente Nacional de Resistência Popular inicia o ano de 2010

A Frente Nacional de Resistência Popular retomou em 7 de janeiro suas atividades para este ano, realizando um comício em Tegucigalpa que começou na Universidade Pedagógica Francisco Morazán até o Congresso Nacional da República no centro da capital, que envolveu milhares de hondurenhos de diversas organizações sociais agrupadas em torno da resistência.

Os manifestantes estavam muito entusiasmados e com muita energia gritavam palavras de ordem sem parar, queimaram fogos de artifício e pintaram mensagens nas paredes de vários edifícios. Foi bastante estranho que não houvesse presença policial e militar durante a marcha. Não sabemos a razão desta ausência; apenas alguns soldados e policiais guardavam no Palácio Legislativo, mas felizmente não houve repressão.

A Frente de Resistência Popular, em seu comunicado número 44, entre outras demandas, rejeitou a pretensão da ditadura de retirar Honduras da Alternativa Bolivariana para os Povos da Nossa América (ALBA), assinada em outubro de 2008 e cujo principal objetivo é beneficiar os setores populares e os mais pobres do nosso país através de vários projetos humanitários.

Portanto, a resistência repudia as medidas econômicas promovidas pela oligarquia contra o povo e denuncia a flagrante intenção de destruir as conquistas sociais dos setores populares, tais como a redução do salário mínimo, a revogação do estatuto dos professores, a desvalorização da moeda e outras medidas contra o povo.

A Frente de Resistência Popular denuncia à comunidade internacional o Estado de repressão em que vive a população de Honduras, que foi aprofundado no final do ano passado com o aumento de assassinatos, perseguições e exílio dos companheiros e companheiras; rejeitamos os planos da ditadura para aprovar uma anistia para os golpistas e perdoar os crimes contra a humanidade cometidos por eles mesmos.

A resistência mantém a exigência do retorno à ordem constitucional e a instalação de uma Assembléia Nacional Constituinte democrática e popular, de acordo com o direito do povo soberano para definir a sociedade em que vive.

Rafael Alegría, coordenador da Frente, disse: "esta primeira grande marcha de 2010 significa a vitória e o triunfo do movimento popular, que recomeçou este ano com fervor patriótico e revolucionário. Os movimentos populares se preparam para tomar o poder político no país e a resistência é o maior e mais aceito movimento popular em Honduras".

Juan Barahona disse que "hoje, 7 de janeiro, quando se cumprem 194 dias de resistência contra o golpe de Estado, estamos realizando a primeira marcha com objetivos concretos como a defesa dos direitos humanos em Honduras, a defesa da ALBA; continuamos a exigir a Assembléia Nacional Constituinte, lutaremos pelo respeito aos direitos trabalhistas. Sobre as supostas acusações feitas pelo Procurador-Geral do Estado sobre possíveis mandados de prisão para a cúpula das Forças Armadas, e levá-los a tribunal por terem afastado o presidente Zelaya do país em 28 de junho de 2008, sabemos que é apenas um show para justificar a anistia que está pronta para passar no Congresso na próxima semana, porque um golpe nunca acusa outro golpe".

Comunicações Via Campesina em Honduras.

Antígona e os limites do poder civil

Marcello Cerqueira*

Etéocles e Polinices, filhos de Édipo, matam-se em duelo pelo governo de Tebas. Creonte assume o trono de Tebas e condena Polinices a não ser enterrado, seu corpo serviria de pasto para os cães e as aves de rapina, como exemplo para os que, no futuro, intentassem contra seu governo. Revolta-se Antígona, sua irmã. Quer enterrar o seu morto porque, sem os ritos sagrados, a alma do irmão vagaria pelo mundo sem descanso. Desafia Creonte e enterra o irmão com as próprias mãos. As leis dos homens não podem contrariar as leis divinas. Creonte a manda matar. É assim que Sófocles narra a tragédia de Antígona, representada em 422 ou 421 a.C.

Decreto nº 5.584/05 fixou a data limite de 31 de dezembro de 2005, para abrir os arquivos do regime militar e que se encontravam, como ainda se encontram, guardados em sigilo pela Agência Brasileira de Inteligência (ABIN). Entretanto, a Lei nº 11.111/05, manteve secretos os documentos que ameaçassem “à soberania, à integridade territorial ou às relações exteriores”, entre os quais aqueles relacionados à guerrilha do Araguaia, entre outros. A redação da lei nos remete aos textos, tanto imprecisos quanto autoritários, das diversas leis de segurança do regime militar. De logo, não se entende como a revelação possa atentar contra a “a soberania” ou a “integridade nacional”. Já no surrado capítulo das “relações exteriores”, realmente a abertura dos arquivos vai desvendar ações criminosas conjuntas dos governos militares do Cone Sul na chamada Operação Condor. Mas não vai surpreender os governos hoje democráticos daqueles países, que já abriram seus arquivos. Inclusive revelando aspectos da “colaboração” do regime militar brasileiro com seus congêneres do Cone Sul. A abertura, aqui, vai preencher lacunas e também servir de alerta de que as relações entre países devem se pautar por valores que respeitem os direitos humanos.

Reportagem do “Fantástico” (13.12.2004) mostrou que documentos dos órgãos de informação do Exército, da Aeronáutica, da Marinha, e de outras instituições ligadas à repressão foram incinerados na Base Aérea de Salvador. O programa exibiu 78 fragmentos de fichas, prontuários e relatórios de posse da autoridade Aeronáutica. Os documentos registram “fatos” que vão de 1964, início da ditadura, até 1994, ocasião em que o país já estava redemocratizado. Foi aberto então um “competente” IPM, que nada apurou. Esses acontecimentos (fantásticos) estão a demonstrar que a sociedade não está apenas impedida por “lei” de ter acesso aos arquivos, como ser válido o temor de que outros, ou muitos, já tenham sido incinerados. Ou venham a ser.

É princípio fundamental da República brasileira o respeito (absoluto) “à dignidade da pessoa humana”. “A dignidade da pessoa humana, um dos fundamentos do Estado de Direito Democrático, ilumina a interpretação da lei ordinária” (STJ, DJU 26.03.01, p. 473). Nesse sentido, a interpretação da legislação infraconstitucional deve tomar por base esse princípio, iluminar-se nele. Assim, qualquer dispositivo da malsinada Lei nº 11.111/05 que atravanque esse caminho deve ser eliminado por via de argüição de inconstitucionalidade ou mesmo por mandado de segurança, pois legitimados estão os parentes dos desaparecidos.

Nesse quadro, parece contraditória a campanha que o governo federal patrocina de colher elementos sobre mortos e desaparecidos da ditadura. Por um lado, lança uma forte campanha televisiva objetivando depoimentos de pessoas que tenham conhecimento sobre as vítimas; por outro, não abre os arquivos em seu poder sobre as mesmas vítimas. Parece contraditório, mas não é. São ainda os limites do Poder Civil. A ele é permitido avançar até determinado limite. O limite é o confronto com o Poder Militar.

Antigo advogado de presos políticos, sei que não movem sentimentos de revanche nas famílias dos mortos e desaparecidos. E nem pretendem comparar as Forças Armadas de hoje com a pequena parte dela que protagonizou os bárbaros crimes do regime a que serviam. Aqui, apura-se uma talvez verdadeira contradição. Ora, como nenhum chefe militar ou mesmo oficial da ativa das Forças Armadas, além da quase totalidade dos reformados, têm contas a ajustar com a justiça sobre os crimes perpetrados à sombra de uma Instituição permanente e fundamental para o país, por que essa aparente “defesa” de crimes que não cometeram? Sei perguntar. Não sei responder.

Sei, entretanto, como a Antígona de Sófocles, que a recusa à abertura pelo governo dos arquivos da ditadura, se antes, na tragédia grega, era um direito divino, hoje é também norma constitucional que deve ser respeitada: a dignidade da pessoa humana, que não desaparece com a vida.

Os familiares de mortos e desaparecidos políticos têm o Direito e o Dever de enterrar os seus mortos.

Marcello Cerqueira é advogado (07 de novembro de 2009).

sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

Por que os partidos políticos tem tanto medo do movimento estundantil da UFSJ?

Por André Luan Nunes Macedo

Diante da questão acima colocada, concordamos com a tese leninista sobre qual democracia os comunistas devem defender nos movimentos sociais e, especificamente, no movimento estudantil, tendo a experiência construída do Diretório Central dos Estudantes da Universidade Federal de São João del-Rei como exemplo mais concreto e mais semelhante à tradição histórica do marxismo na Comuna de Paris em 1871, na construção dos sovietes em 1917 pela classe operária na Rússia e na Constituição Cubana atual. Nesse sentido, apontaremos três questões que responderão às inquietações e dúvidas quanto à organização política dos estudantes: qual é a relação estabelecida entre o movimento estudantil brasileiro e a democracia burguesa? Quais são as causas que levam o movimento estudantil a construir práticas tão semelhantes às vistas entre os ladrões do nosso povo no Congresso Nacional? Por que as eleições de DCE’s são “microcosmos” do que acontece nas instâncias da democracia liberal?

Assistimos a um período de crise política nos DCE's e entidades gerais, tanto nas entidades consideradas mais “direitistas”, lideradas pelo bloco majoritário-governista, representada pela juventude do PC do B (União da Juventude Socialista-UJS) na União Nacional dos Estudantes (UNE), quanto aos esquerdistas do PSTU, que teimam em construir uma entidade com a mesma democracia burguesa colocada pela UNE, sob o ilusório argumento de uma crise de direção no movimento estudantil, promovendo o isolacionismo e o divisionismo entre os estudantes a nível nacional.

Os trotskistas ainda não entendem que o reinado pecedobista foi solidificado através das práticas burguesas de ação política que corrompem suas lideranças políticas devido à práxis que devem se associar, e não por falta de uma moral comunista essencializada. Ao contrário disso, todos os militantes da UJS acreditam que os congressos carnavalescos e o projeto colocado pela UNE para o movimento estudantil é o caminho certo para a revolução, o que os fazem realizar seus trabalhos com um espírito cooperativo e muito bem intencionado. Apesar de todo esforço e eficiência, esses estudantes encontram-se completamente imersos na democracia liberal. Sob o prisma gramsciano, podemos dizer que eles aprendem uma “pedagogia política” contrária aos interesses de uma democracia mais avançada para o movimento estudantil, uma vez que o marxismo deles não consegue pensar uma estrutura organizacional para além das eleições diretas e da corrupção.

No último congresso da UEE-MG, a UJS foi contrária a resolução de um novo estatuto para a entidade, que desde 1984 não passa por modificações. Nesse estatuto, por mais que os DCE’s se posicionassem contrariamente à tiragem de delegados, permitia-se a eleição desses sem qualquer consulta prévia nos DCE e CA’s. Nesse sentido, defender um modelo de organização estudantil que foi construído no período da ditadura militar demonstra a falta de habilidade da direção majoritária para pensar moldes de organização verdadeiramente democráticos para nossos estudantes.

Ao apoiar um estatuto historicamente caduco que só favorece o aparelhismo e o empobrecimento nas discussões políticas dentro das universidades, essa política adotada só contribui para reforçar a hegemonia atual e em nada constrói para a mobilização mais concreta do alunado para reivindicar suas demandas. Ao contrário disso, elas reforçam e desenvolvem uma prática política antagônica a uma transformação social.
Através dessa estrutura institucional, os diretores da UNE e os representantes do DCE são financiados por meio de uma máquina que favorece a regra da plutocracia e daqueles que visam o lucro nas disputas políticas, como muitos partidos de esquerda , o PC do B e PSTU, por exemplo, vide as eleições de 2008 para o DCE da USP com a vitória dos trotskistas e agora com a vitória da UJS no DCE UFMG.

Nesse caso, através da análise sobre os fatos ocorridos nas estruturas de organização do nosso movimento, a única forma que os comunistas encontraram em toda sua história para resolver os dilemas da representação política foi através da defesa de uma democracia que seja contrária aos interesses da ordem vigente e do controle burocrático de uma minoria sobre os projetos de construção da sociedade, seja ela entre os trabalhadores, no Parlamento, etc. Assim defendemos a Comuna de Paris em 1871, que previa a revogabilidade dos dirigentes da cidade, eleitos em seus respectivos bairros. Com a mesma postura construímos o Estado soviético e destruímos a burguesia na revolução de 1917 na Rússia, ao defendermos que o poder político do país deveria ser controlado pelos sovietes – agremiações políticas que se organizavam nos locais de trabalho da classe trabalhadora (fábricas, quartéis, empresas que tivessem mais de 5 trabalhadores, associações de camponeses, etc.). Com o mesmo espírito defendemos a “ditadura” de Fidel Castro, porque sabemos, ao contrário do que se pensa e prega a burguesia sobre o autoritarismo de uma “burocracia do Partido Comunista”, Cuba é controlada pelo povo cubano através das eleições nos bairros e distritos, que prevê em sua Constituição a proibição do uso de verbas para a candidatura dos seus políticos e (como nos últimos dois exemplos históricos citados) a revogabilidade dos seus mandatos.

A teoria política dos comunistas nos locais em que atua se inspira nas experiências históricas concretas e vitoriosas dos oprimidos. Nesse caso, é necessário transformar a pedagogia política encontrada dos moldes da representação burguesa, passando para um novo estágio de democracia, no qual todos possam participar e ter liberdade de expressão para decidirem os rumos colocados pela sua categoria.

Nesse sentido acreditamos que, para a vitória dos estudantes contra a burocracia, não há outro caminho que não seja a defesa da revogabilidade dos mandatos de todos os executivos nos DCE’s, uma vez que é impossível derrotar a democracia burguesa utilizando das suas mesmas ferramentas para atrair o alunado na construção de um projeto político que transforme a sociedade. É necessário que os estudantes transformem as velhas entidades burocráticas numa nova forma de organização, onde possam controlar os diretores em que votaram, governar e deliberar os projetos políticos nas bases em que atuam, através do Conselho de Entidades de Base, órgão em que se reúnem todos os Centros Acadêmicos, entidades mais próximas da realidade de cada curso e do cotidiano de cada aluno.

Infelizmente, ainda contamos com um único caso em que os comunistas podem atuar na sua democracia: no movimento estudantil da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ).

Em menos de cinco anos de mudança do seu Estatuto, vemos a qualitativa transformação do movimento estudantil da UFSJ, se comparadas aos tempos já esquecidos de Reginaldo Lopes e Cristiano, ambos do PT e que se beneficiaram com a democracia burguesa. O primeiro se tornou deputado federal e segue a mesma linha política que aprendeu no antigo DCE, como podemos perceber atualmente, ao defender um governo de coalisão entre PSDB-PT em Minas Gerais, ou seja, entre partidos que há pouco tempo atrás eram antagônicos quanto aos seus projetos políticos. O segundo também aprendeu com sua liderança no movimento no antigo DCE e se tornou vice-prefeito por meio de um pacto com os tucanos.

O movimento estudantil é o principal formador de lideranças políticas com o qual os movimentos sociais podem contar. Todos nós entramos com um espírito de ação e de vontade, com um grande desejo de transformar as desigualdades do país. Apesar de toda a vontade, infelizmente tais valores não impedem o desvirtuamento e a degeneração desses estudantes, devido às estruturas do jogo político que estão inseridos. Portanto, se o jogo político não possuir regras educativas, que ensinem o estudante a não se corromper e disputar suas concepções e convicções políticas por meio do debate, o caminho futuro desses estudantes na luta política será, inexoravelmente, o do aparelhamento e da corrupção.

Em cinco anos de mudança do seu estatuto, o DCE UFSJ, mesmo com os vários problemas que encontra (que a nosso ver é natural por se tratar de uma nova experiência isolada de democracia radical), são realizadas reuniões semanais com todos os Centros Acadêmicos e com os estudantes que se sentirem interessados em participar delas, e já travou várias lutas, como a passeata pela ciclovia em 2006, a greve dos estudantes de enfermagem e medicina de Divinópolis e a ocupação da reitoria, ambas em 2008, todas elas mobilizações vitoriosas. Além disso, o contato entre os trabalhadores do Sindicato dos Metalúrgicos e o movimento é intenso, onde o DCE apóia a mobilização da classe trabalhadora, como o apoio à mobilização dos trabalhadores contra os patrões da Ligas Gerais. Nesses cinco anos, não se vê mais denúncias de corrupção nesse movimento entre seus diretores, algo bastante comum nas campanhas de eleições diretas para os DCE’s nas universidades.

Os problemas, apesar da eficiência espontânea de mobilização do DCE, são ainda inúmeros. Entretanto, eles possuem um caráter diferente, se comparado ao movimento estudantil em outras universidades. Seus problemas se relacionam com a construção de uma comunicação mais eficaz, que possa realizar uma mediação mais ampla. Apesar disso, já se pensa em reverter esse quadro, por meio da construção de um jornal articulado com o sindicato dos professores, técnicos e DCE, além dos blogs dos centros acadêmicos. Também pela Internet, o DCE possui uma lista de emails, que se tornou o principal fórum de discussão política da entidade, o que ainda, a nosso ver, é um espaço bastante restrito.

Ainda nos deparamos com discussões que reforçam a despolitização dos estudantes, uma vez que tem sido evitado esse tipo de debate nas reuniões do Conselho de Entidades de Base. Esse problema também nos parece natural, tendo em vista o quadro nacional e a sua incapacidade de aglutinar a categoria para discussões mais amplas sobre a realidade brasileira. Além de haver, nas palavras de Bolívar Lamounier, um pirronismo bastante reforçado na juventude brasileira.

Tal problema deve ser revertido por meio da atuação dos comunistas nesse movimento, inserindo suas discussões críticas em cada Centro Acadêmico e reivindicando o Conselho de Entidades de Base como o espaço mais legítimo para a discussão crítica da realidade, uma vez que o DCE deve ser encarado como um movimento político que necessita dar respostas aos problemas sociais enfrentados pelos estudantes e pela sociedade como um todo.

Apesar de todos os problemas e dificuldades a serem enfrentadas, por que o PCB não deve ter medo em defender a revogabilidade dos mandatos dos diretores do DCE em todo o país e a transferência de poder para as Entidades de Base? Obviamente, como já analisamos, a democracia defendida por meio dessa bandeira seria o local fundamental para sua atuação, conseguiria trazer pessoas que estariam acostumadas com uma experiência democrática mais avançada, antagônica àquilo que se vê nas eleições diretas e na representação burguesa. Nesse sentido, com os flancos abertos, devido à extinção de uma direção centralizante, podemos nos inculcar com outra questão: os comunistas não estariam defendendo um espaço parecido com a linha política anarquista? Sem as eleições diretas para os DCE's, uma vez que podemos competi-lo “de igual pra igual” com a UJS e outras forças políticas, não estaríamos nos enfraquecendo se optarmos pela opção defendida em São João del-Rei?

Lênin, ao defender uma democracia de novo tipo na Rússia, por meio dos sovietes, notou que, se não defendida a voz dos operários, os rumos a serem trilhados pelos bolcheviques naquele momento seriam os mesmos dos fracassados governos de coalizão da social-democracia na Europa ocidental. Quando levantada a ditadura do proletariado (revogabilidade dos mandatos e participação direta de toda a população nas decisões políticas), não só a revolução foi consolidada, mas o partido bolchevique se tornou a principal referência das classes e nações oprimidas na Rússia.

Nesse sentido, defendendo o poder de uma democracia mais justa para o movimento estudantil em todo o país colocaria o PCB como a primeira vanguarda partidária que demonstraria um projeto concreto para a construção de uma organização mais sólida do movimento estudantil. Entendendo, ainda, que o seu papel dirigente perpassa pelo respeito às decisões tomadas por um coletivo estruturalmente mais representativo, ao contrário do que se tem na democracia burguesa. Certamente, quem deve se preocupar com nossa política é o inimigo, que sofrerá uma derrocada histórica e se desmantelará como um castelo de cartas a nível nacional.

Somente com a democracia do proletariado pode-se fortalecer um Partido Comunista dentro dos movimentos sociais, hoje ocupados pela regra do marketing e do panfletismo. Assim não é diferente entre nós estudantes, que precisamos nos organizar e unificarmos com mais coesão, diante dos ataques neoliberais que têm sofrido nas últimas duas décadas.